A hipercorreção linguística se caracteriza por ser uma tentativa de correção que encontra erros onde não há. Basicamente, é uma situação em que se tenta fazer a correção do português alheio, cometendo uma série de desvios gramaticais. Hoje em dia, é bastante comum esse tipo de comportamento em comentários nas redes sociais, por exemplo. Vamos entender melhor?
De forma resumida, a hipercorreção linguística ocorre quando se tenta corrigir o que não tem o que ser corrigido. Em outras palavras, é quando a tentativa de correção leva a corrigir demasiadamente.
Analisando esse tema, chegamos à conclusão de que há duas fontes para essa hipercorreção. A primeira delas é a variação linguística, em que existe uma forma considerada certa e outra errada. Já a segunda é a vontade extrema de correção.
Para que seja mais fácil compreender o que é a hipercorreção linguística, daremos alguns exemplos práticos.
Ao ouvir a frase: “Eu tinha chegado atrasado”, você sente a vontade de corrigir para “Eu tinha chego atrasado”? Se sim, saiba que você estaria cometendo uma hipercorreção linguística, aliás, uma das mais cometidas.
O verbo “chegar” não é um verbo abundante, ou seja, o particípio “chego” não existe. A forma verbal “chego” existe apenas no presente do indicativo como na seguinte frase: “Eu nunca chego atrasado”.
Um dos temas que mais gera hipercorreção linguística é a colocação pronominal. Na escola, aprendemos que uma oração não deve ser iniciada com pronome oblíquo. Contudo, não podemos nos esquecer de um fato essencial, a escrita e a fala são duas modalidades distintas da língua. Além disso, o português do Brasil é diferente do português de Portugal.
Para explicar esse caso de hipercorreção linguística, é importante ressaltar que o português brasileiro sofre com grande estigma, considera-se como correto apenas o português europeu. Em Portugal, há a predominância da ênclise, no entanto, nem sempre foi dessa forma.
No Brasil, a colocação dos pronomes átonos, especialmente no colóquio normal, é diferente da portuguesa. Logo, as pessoas decoram uma regra sem compreendê-la e passam a acreditar que sempre o pronome vem depois do verbo. Isso leva a situações de hipercorreção, pois se tenta corrigir o que não precisa. Confira o exemplo abaixo:
“Quero que você me aqueça neste inverno.”
Você apontaria algum erro nessa frase? Nesse exemplo não há nenhum erro a ser corrigido. O pronome oblíquo átono está onde deveria estar. A explicação para isso é que o pronome “você” o atrai.
Pode ser que haja alguém pensando: “mas pronomes que provocam próclise são os retos e esse é um pronome de tratamento”. Temos uma notícia, “você” deixou de ser um pronome de tratamento há bastante tempo.
“Você” se originou do pronome “Vossa Mercê”, que era utilizado para se referir a uma pessoa que pertencia a uma classe social superior. Com o passar do tempo, ocorreu a sua generalização e isso fez com que “você” passasse a ser utilizado na relação entre iguais no Brasil.
Essa democratização gerou um fenômeno linguístico conhecido como “gramaticalização”, em que há a mudança de uma categoria gramatical para outra. O pronome de tratamento “Vossa Mercê” passou por uma série de aglutinações (vossemecê, vosmecê… você) até chegar à forma plena de um pronome pessoal.
Desse modo, é um tanto quanto curioso que as gramáticas ainda classifiquem “você” como um pronome de tratamento. Trata-se apenas do pronome pessoal de 2ª pessoa mais usado no Brasil.
Porém, como “você” é utilizado com formas verbais de 3ª pessoa, ainda há o entendimento de que se trata de uma “forma de tratamento”. Poderíamos simplesmente classificar como um pronome de 2ª pessoa (no âmbito semântico) e de 3ª pessoal (no âmbito morfológico).
O gerundismo é outro excelente exemplo de hipercorreção linguística. Aqueles que utilizam os gerúndios acreditam que estão utilizando uma forma mais elegante da língua. No entanto, a construção é completamente equivocada do ponto de vista estrutural da língua portuguesa.
Gerúndio é uma das formas nominais da língua portuguesa e utilizá-lo não é errado. O problema está em não saber como usar corretamente. Nesse caso, devemos nos atentar para a insegurança do falante. Todo mundo que tem o português como língua materna sabe falar o idioma, então é importante deixar no passado o pensamento de “eu não sei português”.
Esse pensamento faz com que tudo o que parece distante da fala habitual pareça correto. Nem sempre essa máxima é verdadeira. Além disso, a arrogância de quem se vê como um conhecedor mais profundo da língua também gera situações de hipercorreção linguística. Devemos sempre ter cuidado para não nos colocarmos nesse lugar de corrigir o que não precisa ser corrigido e nem gerar inseguranças nos falantes.
A atitude mais elegante que se pode ter é evitar a hipercorreção linguística!